segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Uma não-reportagem de investigação: quotas nos partidos pagas pelos próprios partidos

Um dia, após a queda da III República, rezará a História (com especial recurso a muitos arquivos documentais do Largo do Rato e da São Caetano) que nesta, pelo menos dois partidos - PS e PSD, são as realidades que conheço - condicionavam os seus universos eleitorais internos através do controlo da vida dos militantes e de jogadas de secretaria como o pagamento de quotas de determinados militantes, tendo em vista a votação destes em certos candidatos em vários actos eleitorais internos. Com que dinheiros e de que forma, será matéria para a PJ, que enquanto este regime vigorar, nunca será investigada. Qualquer politólogo ou aspirante a tal, em especial os que lidam com estas matérias na sua vida profissional, sabem bem que é assim e como esta forma de agir prejudica a democraticidade interna dos partidos, contribuindo em larga escala para a falta de coesão e para afastar muitos militantes. Esta reportagem da Sábado, não traz nada de novo:


Na federação socialista de Coimbra, que o candidato Mário Ruivo ganhou por dois votos em Outubro, houve dezenas de quotas de militantes pagas duas vezes. Um deles denuncia a situação à SÁBADO em vídeo e mostra os documentos. Mais de 700 talões de quotas foram pagas massivamente por cheque (não pelos militantes) no Largo do Rato, em Lisboa, na véspera da eleição. Para cobrir estas quotas seriam necessários mais de 50 mil euros. Os comprovativos do pagamento foram distribuídas aos militantes com uma recomendação: votar em Mário Ruivo.

Foi o que aconteceu a Luís Rodrigues, que vive em Lagares da Beira, uma freguesia de Oliveira do Hospital, é militante do Partido Socialista desde 2000 e estava com as quotas em atraso desde 2002. Devia €90. No dia 8 de Outubro de 2010 às 17h46 foi ao Multibanco e pagou a quota. Guardou o talão para poder votar no dia seguinte nas eleições para a Federação Distrital de Coimbra. Os concorrentes eram Vítor Baptista (deputado e presidente da federação)e Mário Ruivo (director da Segurança Social de Coimbra). Nesse dia, foi abordado por um militante do PS que lhe levou um talão com um carimbo da sede nacional a dizer que as suas quotas tinham sido pagas. (ver vídeo).

“Cheguei a casa e foi uma pessoa ter comigo entregar-me um papelinho para eu ir votar, porque tinha as quotas pagas.” E disse: “Vais votar no sr. Mário Ruivo.” Em Lagares da Beira circularam mais talões daqueles. “Houve aqui muita gente que recebeu um papelinho igual, com a mesma indicação de voto”, acusa Luís Rodrigues. Mais: se os estatutos fossem cumpridos, este militante nem estaria nos cadernos eleitorais por dever quotas há mais de dois anos.

A candidatura derrotada fez as contas e apurou que seriam precisos mais de 50 mil euros para saldar as dívidas dos militantes que receberam os talões, pois a maioria tinha anos de quotas em atraso, como era o caso de Luís Rodrigues.

O caso configura um pagamento massivo de quotas aparentemente com a concordância de André Figueiredo, Secretário Nacional adjunto para a Organização do PS, ou seja, o homem que manda no aparelho socialista – e é chefe de gabinete de José Sócrates na sede nacional. É Figueiredo que gere o partido do ponto de vista administrativo, com poderes para autorizar a emissão dos talões de quotas distribuídos em Coimbra.

A SÁBADO questionou André Figueiredo sobre o valor do cheque (ou cheques) que entrou na sede nacional e o nome de quem o assinou. O dirigente do PS não respondeu às perguntas. Enviou uma declaração por email, a dizer que “todo o processo eleitoral relativamente à eleição dos órgãos das Estruturas Federativas do PS, decorreu com toda a regularidade: todas as reclamações e protestos existentes foram definitivamente apreciados e decididos pelas instâncias competentes, nomeadamente, alguns pela Comissão Nacional de Jurisdição e pelo Tribunal Constitucional, tendo encerrado todo o processo eleitoral com a tomada de posse de todos os órgãos eleitos democraticamente”.

Este ano há mais disputa nas eleições internas porque os socialistas se preparam para um ano em que pode haver eleições antecipadas – e as federações têm influência nas listas para deputados. Também haverá um congresso nacional no início de 2011 e já se começam a posicionar as peças para a eventual sucessão a José Sócrates.

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